Certo
dia, próximo a rua onde moro, um prédio, condenado pela justiça por ter sido
construído em uma área de risco, desabou. O local parecia uma zona de guerra:
partes dos apartamentos por todos os lados, quartos, cozinhas, banheiros, tudo
era uma grande massa misturada. Para as famílias que moravam nos apartamentos,
cada pedra era uma lembrança daquele lar seguro onde um dia eles se alegraram,
choraram, brigaram e festejaram, onde o tempo passou. As paredes cheias de
histórias estavam em pedaços, o chão seguro, com o piso de madeira, estava
espalhado por todos os lados. A vida, os sonhos realizados e os que estavam por
vir, tudo destruído. Mesmo sem dizer sequer uma palavra, os olhares falavam
pelas famílias: E agora?
O
tempo passou e não foi nada fácil limpar a bagunça: caminhões cheios de
entulhos cruzavam minha rua o dia todo, tratores com pás afiadas retiravam as
memórias perdidas em meio aos escombros, pedreiros carregavam os objetos
menores e preparavam para começar a obra de restauração da rua e jornalistas se
aproveitavam da tristeza familiar para criarem notícias exageradas. Depois de
uma longa e demorada obra, lá estava o terreno, sem escombros, sem sujeira, estava
limpo e protegido. Para quem visitava pela primeira vez, era possível acreditar
que nunca houve um prédio mal construído ali. Era o fim de uma obra mal
construída cedendo espaço para outra melhor planejada. A tristeza de perder
tudo ainda assombrava as famílias, mas não adiantava recolher os pedaços
caídos, eles já estavam velhos e quebrados, era necessário recomeçar, com
material novo e com sonhos novos.
Nossa
vida é uma cidade, com diversas casas e prédios que vamos construindo. Cada um
deles é uma obra que realizamos: trabalho, romances, amizades, religião e cada
um têm sua própria arquitetura e proporção. Alguns amigos são prédios enormes,
outros são casinhas com um grande jardim. Nossa vida profissional também vai
crescendo, ocupando terrenos maiores, algumas vezes derrubando outras construções
para ocupar seu espaço. Nossos romances são grandes praças, com belos jardins,
fontes e sorrisos e claro, sempre temos nossa igreja, seja ela um grande templo
ou apenas um pequeno altar.
Ao
longo de nossa caminhada pela vida, nossa cidade sofre com prédios mal
construídos, ocupações em áreas indevidas, lixo acumulado, enfim, tudo o que
qualquer município sofre. Logo esses problemas se tornam grandes demais e se
não cuidados, assim como o prédio próximo a minha casa, partes de nossa vida podem
desabar. Uma vez no chão, a obra de limpeza pode ser terrivelmente longa, isso
se tivermos força para começar a retirar toda a sujeira. Muitas vezes, o
estrago é tão grande que preferimos deixar tudo como está e apenas chorar diante
de nossos sonhos destruídos, sem perceber que a bagunça não vai sair sozinha.
Como
é difícil depois de anos de trabalho, de construção de uma carreira, de ver sua
casinha como estagiário se tornar uma cobertura no mais alto prédio, perder o
emprego e ver toda uma história virar entulho. Como é difícil depois de anos de
namoro, de se doar completamente, de planejar uma vida juntos, romper e ficar
sozinho mais uma vez. Como é difícil depois perder o sentido de viver, reconstruir
razões para recomeçar, olhar os entulhos e aprender que mesmo que a vida
inteira desabe, sempre tem mais vida pela frente. Assumir que a obra não vai
ser fácil, mas é necessária.
Deixar os
entulhos acumulados não pode fazer parte de nossa história, temos que limpar,
por mais doloroso que seja, precisamos olhar as paredes caídas e entender a
razão da queda, para então iniciar uma obra nova, sem os erros cometidos na
construção anterior. Temos que aprender que o lixo das obras e pessoas que
passaram na nossa vida e geraram tanto estrago não precisa ser reaproveitado, o
mundo tem muitas pessoas novas e muitas histórias novas para construirmos, mas
precisa ser limpo e jogado fora. Que nosso sofrimento seja causado por jogar os
entulhos fora e não tentando remendar as paredes caídas, como um quebra cabeça.
Leva muito menos tempo pra jogar tudo fora do que para tentar encontrar os
pedaços quebrados que se encaixam.
Devemos ficar
atentos as nossas obras, para notarmos as rachaduras e problemas antes que elas
se tornem irreparáveis. Nossos relacionamentos, em especial, sofrem com a ação
do tempo, com as paredes mal construídas, logo surgem rachaduras e problemas
que merecem nossa atenção, mas se deixamos de lado, elas podem se romper e
derrubar tudo o que construímos, basta uma parede fraca para levar um castelo
inteiro ao chão. Assim como sempre é tempo de recomeçar, sempre é tempo de
reformar. Não querer ver as rachaduras não as faz deixar de existir.
Assim como os
caminhões e repórteres da limpeza da minha rua, existem também esses
personagens em nossa cidade: os caminhões são os amigos que nos ajudarão a
limpar a obra, reconstruir e analisar a melhor forma de recomeçar. Já os repórteres
serão aqueles que tentarão a todo o momento nos lembrar da tragédia, aquelas línguas
que se aproveitarão da nossa dor para crescer, para aparecer. Por isso é
importante manter os locais em obra sempre isolados, com acesso apenas aqueles
que mais confiamos, para que a dor da queda não seja ainda maior e mais
exposta.
Temos que
planejar nossa cidade, nossas construções, nossa vida, para que o tempo não
destrua nossa história. Para que possamos caminhar sem precisar sempre voltar
para limpar entulhos que ficaram para trás. É claro que vez ou outra uma obra
mais antiga vai precisar de uma revisão, mas se construirmos com paciência,
calma e oração, as paredes só precisarão de uma pintura, pois serão sólidas.
Por fim, o
tempo de recomeçar é imediato após a queda. Limpando nosso coração e nossa
alma, sempre vai existir um espaço novo para novas oportunidades, não é
possível construir sobre escombros. Não importa o quão grande tenha sido o
prédio que caiu, não importa o quanto vai ser difícil a limpeza e o recomeço,
sempre existe uma chance nova e talvez, algo tenha que desmoronar para que
possamos ver que, atrás daquelas paredes, existe um campo muito maior e melhor.
Um lugar pra expandir, um lugar pra recomeçar.
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