quarta-feira, 3 de outubro de 2012

SEMPRE É TEMPO DE RECOMEÇAR


                Certo dia, próximo a rua onde moro, um prédio, condenado pela justiça por ter sido construído em uma área de risco, desabou. O local parecia uma zona de guerra: partes dos apartamentos por todos os lados, quartos, cozinhas, banheiros, tudo era uma grande massa misturada. Para as famílias que moravam nos apartamentos, cada pedra era uma lembrança daquele lar seguro onde um dia eles se alegraram, choraram, brigaram e festejaram, onde o tempo passou. As paredes cheias de histórias estavam em pedaços, o chão seguro, com o piso de madeira, estava espalhado por todos os lados. A vida, os sonhos realizados e os que estavam por vir, tudo destruído. Mesmo sem dizer sequer uma palavra, os olhares falavam pelas famílias: E agora?
                O tempo passou e não foi nada fácil limpar a bagunça: caminhões cheios de entulhos cruzavam minha rua o dia todo, tratores com pás afiadas retiravam as memórias perdidas em meio aos escombros, pedreiros carregavam os objetos menores e preparavam para começar a obra de restauração da rua e jornalistas se aproveitavam da tristeza familiar para criarem notícias exageradas. Depois de uma longa e demorada obra, lá estava o terreno, sem escombros, sem sujeira, estava limpo e protegido. Para quem visitava pela primeira vez, era possível acreditar que nunca houve um prédio mal construído ali. Era o fim de uma obra mal construída cedendo espaço para outra melhor planejada. A tristeza de perder tudo ainda assombrava as famílias, mas não adiantava recolher os pedaços caídos, eles já estavam velhos e quebrados, era necessário recomeçar, com material novo e com sonhos novos.
                Nossa vida é uma cidade, com diversas casas e prédios que vamos construindo. Cada um deles é uma obra que realizamos: trabalho, romances, amizades, religião e cada um têm sua própria arquitetura e proporção. Alguns amigos são prédios enormes, outros são casinhas com um grande jardim. Nossa vida profissional também vai crescendo, ocupando terrenos maiores, algumas vezes derrubando outras construções para ocupar seu espaço. Nossos romances são grandes praças, com belos jardins, fontes e sorrisos e claro, sempre temos nossa igreja, seja ela um grande templo ou apenas um pequeno altar.
                Ao longo de nossa caminhada pela vida, nossa cidade sofre com prédios mal construídos, ocupações em áreas indevidas, lixo acumulado, enfim, tudo o que qualquer município sofre. Logo esses problemas se tornam grandes demais e se não cuidados, assim como o prédio próximo a minha casa, partes de nossa vida podem desabar. Uma vez no chão, a obra de limpeza pode ser terrivelmente longa, isso se tivermos força para começar a retirar toda a sujeira. Muitas vezes, o estrago é tão grande que preferimos deixar tudo como está e apenas chorar diante de nossos sonhos destruídos, sem perceber que a bagunça não vai sair sozinha.
                Como é difícil depois de anos de trabalho, de construção de uma carreira, de ver sua casinha como estagiário se tornar uma cobertura no mais alto prédio, perder o emprego e ver toda uma história virar entulho. Como é difícil depois de anos de namoro, de se doar completamente, de planejar uma vida juntos, romper e ficar sozinho mais uma vez. Como é difícil depois perder o sentido de viver, reconstruir razões para recomeçar, olhar os entulhos e aprender que mesmo que a vida inteira desabe, sempre tem mais vida pela frente. Assumir que a obra não vai ser fácil, mas é necessária.
Deixar os entulhos acumulados não pode fazer parte de nossa história, temos que limpar, por mais doloroso que seja, precisamos olhar as paredes caídas e entender a razão da queda, para então iniciar uma obra nova, sem os erros cometidos na construção anterior. Temos que aprender que o lixo das obras e pessoas que passaram na nossa vida e geraram tanto estrago não precisa ser reaproveitado, o mundo tem muitas pessoas novas e muitas histórias novas para construirmos, mas precisa ser limpo e jogado fora. Que nosso sofrimento seja causado por jogar os entulhos fora e não tentando remendar as paredes caídas, como um quebra cabeça. Leva muito menos tempo pra jogar tudo fora do que para tentar encontrar os pedaços quebrados que se encaixam.
Devemos ficar atentos as nossas obras, para notarmos as rachaduras e problemas antes que elas se tornem irreparáveis. Nossos relacionamentos, em especial, sofrem com a ação do tempo, com as paredes mal construídas, logo surgem rachaduras e problemas que merecem nossa atenção, mas se deixamos de lado, elas podem se romper e derrubar tudo o que construímos, basta uma parede fraca para levar um castelo inteiro ao chão. Assim como sempre é tempo de recomeçar, sempre é tempo de reformar. Não querer ver as rachaduras não as faz deixar de existir.
Assim como os caminhões e repórteres da limpeza da minha rua, existem também esses personagens em nossa cidade: os caminhões são os amigos que nos ajudarão a limpar a obra, reconstruir e analisar a melhor forma de recomeçar. Já os repórteres serão aqueles que tentarão a todo o momento nos lembrar da tragédia, aquelas línguas que se aproveitarão da nossa dor para crescer, para aparecer. Por isso é importante manter os locais em obra sempre isolados, com acesso apenas aqueles que mais confiamos, para que a dor da queda não seja ainda maior e mais exposta.
Temos que planejar nossa cidade, nossas construções, nossa vida, para que o tempo não destrua nossa história. Para que possamos caminhar sem precisar sempre voltar para limpar entulhos que ficaram para trás. É claro que vez ou outra uma obra mais antiga vai precisar de uma revisão, mas se construirmos com paciência, calma e oração, as paredes só precisarão de uma pintura, pois serão sólidas.
Por fim, o tempo de recomeçar é imediato após a queda. Limpando nosso coração e nossa alma, sempre vai existir um espaço novo para novas oportunidades, não é possível construir sobre escombros. Não importa o quão grande tenha sido o prédio que caiu, não importa o quanto vai ser difícil a limpeza e o recomeço, sempre existe uma chance nova e talvez, algo tenha que desmoronar para que possamos ver que, atrás daquelas paredes, existe um campo muito maior e melhor. Um lugar pra expandir, um lugar pra recomeçar.

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