quinta-feira, 26 de abril de 2012

SER PARA OUTRO SEM DEIXAR DE SER VOCÊ


            Se existe uma coisa interessante em nós humanos é a nossa necessidade de relacionamentos. Desde que nascemos já buscamos o colo de mãe ou de pai, aquele aconchego, aquela segurança de confiar plenamente no próximo. Crescemos, ganhamos peso e nossos familiares já não são capazes de nos carregar, mas a necessidade do carinho permanece: Quem nunca fingiu estar dormindo no sofá só pra ser carregado para a cama? Passamos então a buscar esse toque nos amigos, nas pessoas próximas, passamos a conhecer nossos corpos, entramos na adolescência e essa necessidade de se relacionar ganha novas formas, novos carinhos e novos olhares, se tornando madura na vida adulta, ou ao menos assim deveria acontecer. Vamos crescendo e essa necessidade “básica” permanece, procurando alguém que a preencha completamente.
            O problema é que muitas vezes, esse alguém demora demais pra chegar. Com isso, a necessidade de relacionar-se começa a se transformar em carência. É fato que todos somos, alguns mais, outros menos, carentes. Esse sentimento é natural, somos seres que prezam pela vida social e pelos relacionamentos interpessoais, somos comunidade. Porém a carência pode se tornar um sentimento opressivo e destruidor em nossa personalidade, esmagando aquilo que Deus planejou inicialmente para nós, nos transformando em prisioneiros de nossa personalidade ou ainda pior, dos outros.
            Na infância, somos dependentes de nossos familiares, sejam pais, avós ou aqueles que se tornaram responsáveis por nosso crescimento. Nessa fase da vida, ser dependente é natural, é muito mais do que uma opção, é uma necessidade. Com o passar do tempo, os pais começam a nos “libertar” de seus cuidados: o colo passa a ser menos frequente. O correto é que nos acostumemos com essa situação, mesmo que esse momento de “abandono” familiar seja difícil. Começamos a nos moldar nas regras de convivência da sociedade.
            O problema é que as regras tem mudado após a geração televisão. O convívio social diminuiu graças a falsa ideia de interação dada pelos meios de comunicação. Cito como exemplo a missa, que antes, era um grande local de encontro da comunidade, todos iam conversar, “atualizar” seus perfis sociais, hoje a interação física deu lugar a chats na internet, até a missa muitos assistem pela TV. Isso tem feito as pessoas crescerem cada dia mais carentes de convívio e relacionamento e isso se reflete fortemente na vida adulta.
            Na adolescência a carência se transforma em desejo. Necessitamos do toque, do beijo, de sentir outras pessoas. A nossa necessidade de carinho é direcionada para os outros e queremos experimentar todas as pessoas. Quanto mais, melhor. Mas ter todos pode ser sinônimo de não ter ninguém.
            O adolescente leva os relacionamentos de maneira tão extrema que aquilo passa a ser a necessidade básica dele. Sair, festas, baladas, tudo é uma simples desculpa para estar com outras pessoas. Se o jovem está mal na escola, está tendo problemas nos relacionamentos, sejam familiares ou sejam amorosos. Muitos entram em depressão por não conseguirem encontrar alguém que preencha essa necessidade tão grande de carinho.
            Com a idade adulta, finalmente atingimos o equilíbrio emocional. Não. Dificilmente se vê um adulto que consegue lidar bem com a carência e seus relacionamentos. Os diversos problemas no amadurecimento pessoal nos fazem crescer vazios, incompletos. Passamos então a buscar essa pessoa que nos fará felizes e completos. E assim surge o grande mal do século: o homem objeto.
            Como relacionar-se é uma necessidade básica nossa, precisamos inevitavelmente do outro. Ninguém pode viver completamente sozinho. Quando a carência se torna grande demais, começamos a ferir nossa personalidade pelo social ou simplesmente pela atenção. Esse ataque pode ter dois âmbitos: ferindo a nós mesmos e ferindo os outros.
            Começando pelo segundo, nós acreditamos que somos melhores que os outros e os outros são obrigados a se adaptar a nossa personalidade e nosso modo de realizar as coisas. Isso se reflete especialmente no trabalho: sufocamos o trabalho dos outros e a forma como ele a realiza. Se estamos habituados a realizar de uma forma, alguém que o faça diferente passa a ser um inimigo em potencial. Algumas vezes sequer sabemos realizar o trabalho do outro, mas insistimos que ele realize como acreditamos ser correta. Para nós. Isso nos transforma em pessoas arrogantes e dominadoras. O problema é que quem mais sai ferido somos nós mesmos, que acabamos com nossos relacionamentos o tempo todo.
            Essa forma de ataque ao outro ainda se reflete em relacionamentos amorosos: Não aceitamos os gostos e desejos da pessoa que estamos juntos. Forçamos que a personalidade dela se adapte ao nosso modo de viver e de ser. Ela tem que gostar da nossa comida, das mesmas cores, dos mesmos filmes. Matamos a personalidade do outro por nossa arrogância de acreditar que nosso modo de ver a vida é o melhor. Por fim, acabamos isolados e sozinhos.
            Do outro lado da história vem aquele que mais sofre, aquele que fere a si mesmo, que abre mão completamente de si para o outro. Esse tipo de pessoa, em relacionamentos amorosos, se torna objeto na mão da pessoa que “ama” (em aspas porque isso é uma falsa visão de amar) e no trabalho, se torna um empregado descartável, que só se mantém por ser o tapete onde os outros podem limpar seus pés.
            Nos relacionamentos amorosos o casal tem que ceder em ambos os lados. Não é justo e muito menos correto, que apenas um abra mão de si. O problema é que a carência muitas vezes é tão grande, que a pessoa, por medo de não encontrar outro alguém em sua vida, abre mão de tudo. É a total desvalorização do ser humano, uma afronta ao Amor de Deus por cada um.
              Buscamos relacionamentos porque, como dizia Sto Agostinho: Existe em nós um vazio do tamanho de Deus. Os outros são uma pequena imagem de Deus para nós, assim, queremos nos preencher apenas no outro e esquecemos que Deus pode nos preencher completamente. Temos que ser para o outro o mesmo que queremos que ele seja para nós, temos que ter o Amor perfeito, de Deus, para ser Amor para o outro. Se encontramos a fonte inesgotável do Amor, que está em Jesus, podemos nos doar para o outro sem nunca nos esvaziarmos e sermos, no outro, completos. Sem o Amor de Deus, somos incompletos e dois seres vazios, não podem se completar. O relacionamento verdadeiro é sim, a três: o homem, a mulher e Deus.

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