quarta-feira, 8 de agosto de 2012

SER CRISTÃO NÃO TE FAZ ESPECIAL


                Todos nós somos especiais aos olhos de Deus. Cada um de nós é profundamente amado e foi criado como único, da forma como o Senhor nos modelou. Cada um de nós. Eu não sou mais ou menos amado que o outro, pois o Amor de Deus é único, infinito e pessoal, seja eu uma pessoa profundamente caridosa, seja eu uma pessoa egoísta, Deus não me ama mais ou menos por isso. Essa é a grande tentação dos cristãos e o grande problema que o cristianismo tem enfrentado na atualidade: se sentirem superiores aos outros, para o bem e até mesmo para o mal.
                Digo superiores porque sentimos a tentação de, após nossa conversão e descobrir o imenso Amor de Deus, nos colocarmos como pessoas que tem um truque na manga, um gênio mágico que vai resolver as situações quando elas se complicarem. Então quando um problema aparece, ajoelhamos e clamamos a Deus que nos ajude nessa situação, que muitas vezes pode se resolver no início de nossa caminhada, mas pode se complicar com o passar do tempo, pois nem sempre, os problemas vão passar.
                A grande questão é que temos que amadurecer nossa fé para encontrar o verdadeiro Deus, Aquele que não é o super-homem, Aquele que não vai resolver nossos problemas. Somos tentados a todo tempo a colocar nossos desejos e vontades diante de Deus, não como súplica e entrega, mas como uma direção de como nossa vida deve prosseguir. Temos que abrir uma nova dimensão da fé, que não é fácil, mas que é verdadeira: Deus não vai atender nossos pedidos.
                A sociedade moderna leva-nos a crer que existe uma troca de favores, uma recompensa em tudo o que realizamos, até mesmo na religiosidade. Se sou bom, se sirvo ao Senhor, Ele vai me ajudar. Isso gera um cristão preguiçoso, que fica esperando eternamente pela vontade de Deus. Um cristão que não corre atrás das coisas, que se acomoda na sua fé. Mas quando a espera é longa demais, toda essa falsa fé destruída pela não realização das coisas que esperávamos de Deus.
                Isso gera falsas crenças como a teologia da prosperidade, que acredita que a pessoa que segue Jesus terá plena realização de bens no mundo. Nada mais farisaico, em que se acreditava que existiam os escolhidos e os amaldiçoados, a única diferença é que naquela época aqueles que nasciam amaldiçoados viviam assim para sempre, hoje acredita-se que se você se converter, será largamente abençoado, se você não está bem é porque está em pecado.
                A vida apresenta várias situações difíceis e isso vale para qualquer pessoa, cristã ou não. O sofrimento não é enviado por Deus, muito pelo contrário, se existe algo que é completamente humano é o sofrimento. Nesse ponto entra algo que eu vejo em muitos cristãos: a síndrome da tentação.
                Como disse, o cristão se coloca como superior e acredita que tem certos privilégios e até mesmo sofrimentos exclusivos. O cristão acredita que por seguir a Deus, será mais tentado do que as outras pessoas, enfrentará mais dificuldades. Se essa lógica funcionasse, quem está sofrendo mais seria mais cristão. O fato é que existem cristãos que estão muito bem e outros sofrendo muito, assim como existem ateus que estão muito bem e outros sofrendo muito. Essa é a tentação de nos sentirmos mais especiais que outras pessoas, dignos até de sofrer mais.
                A síndrome da tentação é tão perigosa para o cristão porque pode transformá-lo em uma pessoa que sempre acredita ser vítima da vida e do mal. Essa pessoa perde o foco do Amor de Deus e se coloca sempre em uma luta contra o mal, alguém que tem que estar sempre lutando para não ser destruída pela vida. Essa pessoa se torna egoísta em sua fé, porque acredita sofre mais que outras pessoas e passa a achar que seu sofrimento é maior que o de outras pessoas, ou seja, ela se sente superior até mesmo no sofrimento.
                Chegar ao amadurecimento de fé de entender que Deus não está a nossa disposição é muito difícil e assim também deixar de acreditar que é um escolhido para sofrer. Ambas as situações nos colocam acomodados na fé, pessoas que não lutam pela vida e pelo amor, pois estão presas em seu próprio mundo com Deus. O sofrimento diferenciado que o cristão sofre, não é algo interno, mas sim externo, aquele de Amar Deus e ser discriminado por isso, esse foi o sofrimento dos apóstolos e que gerou as perseguições que eles tanto passaram. No mundo moderno, o sofrimento de ser cristão é o de ser tentando a desistir de sua fé devido aos ataques do mundo, apenas isso, de resto, todos sofrem pela vida.
                Então, qual a diferença de ser cristão ou não? É enorme. Todos são amados por Deus, mas o cristão tem algo que as outras pessoas não têm: um relacionamento de Amor. O cristão responde ao Amor de Deus e isso faz toda a diferença em nossa vida.
                Um exemplo simples para compreendermos melhor a relação com Deus: Em primeiro, vamos lembrar que Jesus morreu na Cruz, ou seja, se fez fraco. Normalmente imaginamos Deus como um pai rico, que tem tudo e basta pedirmos para que Ele nos entregue, no fim, não temos uma relação com o Pai, apenas recorremos a Ele em nossas necessidades, se queremos algo de bom, pedimos, mas enquanto está tudo bem, não precisamos Dele, não precisamos do Amor Dele. Somos filhos mimados, que não aprendem a viver.
Agora imagine Deus como um Pai muito pobre, sem muito luxo, apenas com aquilo que necessitamos de mais básico. Esse Pai não tem muito que nos oferecer, mas nos Ama verdadeiramente e cuida de nós com todo o carinho. Quando desejamos muito o presente e Ele não pode comprar, nós podemos chorar em seu ombro e Ele vai consolar e mostrar o quanto temos que lutar para conquistar aquilo que queremos. Ele vai nos dar força pra vencer. Ele não vai comprar nossa felicidade com presentes e bens materiais, mas vai nos preencher de Amor e mesmo que não tenhamos nada, estaremos fortes, sustentados pelo Seu Amor. Os bens que Deus poderia nos dar são passageiros, mas o Seu Amor é eterno. Só aprendemos a Amar verdadeiramente quando não existem bloqueios a esse Amor, ou seja, muitas vezes os pedidos que temos nos atrapalham a chegar até Ele.
Entramos assim no verdadeiro sentido da oração: Amar e ser Amado por Deus. Se existe algo que nós cristãos podemos nos orgulhar é desse relacionamento. Orar nada mais é do que se relacionar com esse Pai pobre e não encher o pai rico de pedidos. O Amor de Deus durante a oração é o maior bem que podemos receber e temos que compreender o quão transformador é esse Amor.
O Amor de Deus é o grande combustível da nossa vida. Ele nos move, nos sustenta e nos fortalece. Os bens materiais tentam simular esse combustível, mas com certeza vão acabar e nos deixar no meio do caminho. Durante a oração, enchemos o tanque e estamos prontos para seguir em frente.
Temos a tentação de orar apenas pedindo e isso gera um bloqueio a ação de Deus em nós, pois se enchemos Deus de pedidos, não permitimos que Ele nos preencha de Amor, pois não estamos interessados em Deus, mas sim naquilo que Ele pode nos oferecer. Orar com maturidade é ter consciência de que precisamos apenas do Amor para continuar e que por esse mesmo Amor, teremos a capacidade de caminhar nas dificuldades, fazer boas escolhas, vencer as batalhas da vida e levantar nas quedas. Essa certeza do Amor, só o cristão tem, pois essa é a força da oração.
Por fim, basta vermos o pequeno erro de tradução do Salmo: O Senhor é meu pastor e nada me faltará, que se for colocado de maneira correta quer dizer: O Senhor é meu pastor e isso me basta. Ou seja, para aquele que é cristão, ser pastoreado por Cristo não significa que a vida será perfeita ou cheia de ocasiões especiais, mas sim de que, uma vez que tenho Cristo na minha vida, isso é suficiente para viver com a certeza de que não sou diferente dos outros, mas sou Amado e que as ocasiões naturais do viver, serão enfrentadas com a coragem e a certeza do Amor de Deus.

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